Água de Puig

Os sinais eram clarinhos: “Puig” quer dizer “colina isolada”, proveniente do latino podium [pódio]. Já “demont” é “do monte”. Um gajo isolado, a pensar-se no pódio, ainda por cima “do monte” não ia dar coisa que se visse.

A fuga dos cágados catalães para a Bélgica, onde se foram apoiar nos nacionalistas flamengos locais, deixa claro que a urdidura tinha dois lados. O da fama, protagonizado pela cabra montesa, e o da vontade, com a esquerda republicana a acreditar que, dia algum, os da direita se tivessem como gente de convicção suficiente para não fugir.

Sim, lamento, mas a verdade é que a esquerda, quer a radical, quer a extrema, quer mesmo a estúpida, ficou em Barcelona, à espera do que lhe acontecesse, como as nêsperas.

A cabra montesa, segunda escolha do Mas de má memória, reunia três defeitos: jornalista, boy e político direitista sem convicções. Mais ainda, titubeante e incapaz de um prato de botifarra amb seques numa só garfada, a cabra montesa fez destesar toda a legítima identidade catalã com a fuga e consequente  pieguice.

A questão catalã fica assim arrimada ao olvido. Em Castela batem-se palmas ao gigante Rajoy, que até o Júlio Iglésias do Podemos lhe reconhece mérito e lhe chama “audaz”.

Há um problema escondido, que a cabra montesa soube bem ignorar: a “União” europeia. As nações da velha Europa não são as que estão no mapa. Tirando, provavelmente, Portugal e a velha Albion, todas as outras têm defeitos de fabrico pós-século XIX. As guerras não ajudaram e os povos ainda não estão para as curvas. A Occitânia lá anda, a Córsega lá anda, os flamengos lá andam, os bávaros lá andam. Mas na verdade, muita gente se sente fora de casa.

A “União” europeia, consequência política da NATO, apenas serve para tapar o vapor que sai destas gentes, que não se reconhecem em países e capitais estranhas. São gentes de língua própria, costumes e cultura velhas, legítimos defensores de mátrias e pátrias antigas e tradicionais.

Quando chega a ser a esquerda a defender, com coragem, estes valores, não o faz por nacionalismos bacocos. Oriol Junqueras, que foi vice-presidente do governo da cabra montesa, historiador e professor universitário, lidera a Esquerda Republicana, que desde 1931 se opõe à opressão cultural, defende valores do socialismo democrático e teve papel importante na transição do “franquismo” para a democracia.

Oriol, como tantos outros, pendem para o federalismo espanhol, com Estados dentro do Estado, dando largas à Galiza, à Andaluzia, ao País Basco e à Catalunha, em pé de igualdade com a maculada e inventada (e belíssima, conceda-se) Madrid.

Mas a cabra montesa conseguiu, titubeante, destruir para décadas vindouras, o sonho de uma Catalunha mais livre. Por causa do dinheiro. Soçobrou ao abuso de poder de Rajoy e às leis de canalha que este fez aprovar para a fuga das empresas. Não legislou com manha, para tornar a Catalunha um paraíso fiscal – a única linguagem que o capital entende.

Enfim, o de Puig nem água de colónia leva na fuga. Deixa a esquerda a envergonhar-se e a aprender, mais uma vez, a dura lição de que nunca se pode confiar da direita baixa, em que poluem o ar os jornalistas, boys e políticos de ocasião, com méritos obscuros e o grande capital como medida para tudo.

Mas isso já nós sabíamos. Ficámos à espera que não fosse assim, mas a culpa é de acreditarmos no menino do monte.

 

 

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